Dedilhando Paixões
Dedilhando Paixões
O som do violão invadindo corações, percorrendo o mundo saindo do pequeno distrito de Mangabeira no município de Lavras da Mangabeira, no interior do Ceará. Ganhando salas por todo o planeta. Templos como o Mozarteum, em Salzburg, na Áustria, casa dos grandes instrumentistas mundiais; cidade natal de Mozart.
A história da paixão de Nonato Luiz pelo violão começou logo aos três anos de idade tocando em um cavaquinho de plástico dado pelo pai. Depois, invadiu o mundo da música clássica – onde traz muito de sua requintada inspiração – passou pela guitarra elétrica até encontrar, em 1970, o violão. A partir daí foi só se aprimorar.
Muitos anos de trabalho depois, ele se tornou a fera do violão. Com o instrumento tira sons impressionantes. É capaz de recriar os maiores sucessos dos Beatles e arrancar elogios de todos os cantos. Assim, o primeiro prêmio veio cedo. Em 75, já compositor, Nonato Luiz venceu o 1º concurso para violonistas da extinta TV Tupi, em São Paulo. Também conquistou o prêmio Sharp de Música, com “Baião da Rua”. Uma parceria da música de Nonato com as palavras de Fausto Nilo, outro cearense ilustre.
A fama e o talento ganharam o mundo rapidamente. Em 85 realizou a primeira das várias turnês européias. E a primeira marcou. Ele visitou França, Itália e Áustria. No último país, visitou Salzburg, terra de Mozart, e tocou no Mozarteum. Destaque também para a temporada patrocinada pela Unesco, em Paris, em 92. Também fez a música tema da Eco-92. Por tudo isso, Nonato Luiz é considerado um dos instrumentistas brasileiros mais respeitados no circuito europeu.
E não é somente na música em que se destaca Nonato. Ele também escreve. Já está na sua segunda edição “Suíte Sexta em Ré”, um livro de partituras que teve a edição inicial editada pela Henry Lemoine, de Paris. Também tem os livros “14 Peças para Violão” e “10 Choros”.
Voltando à música, Nonato tem várias parcerias com outros destaques da música cearense. E, com eles, tem dois discos. O primeiro foi lançado em 2002 e batizado de “Ceará”. É considerado um tributo aos conterrâneos. Neste trabalho ele faz uma releitura de 18 obras de compositores do Estado. Depois, foi a vez de “Canções”, lançado este ano. Aqui aparece uma outra faceta de Nonato: o cantor. Neste, que é um dos poucos trabalhos com voz e violão – geralmente ele fica só no campo instrumental -, Nonato se juntou a parceiros como Capinan, Totonho Laprovítera e Fausto Nilo. Em “Canções”, vemos letras belíssimas nas músicas de Nonato. As canções são interpretadas por cearenses como Fágner, Kátia Freitas e, surpresa, pelo próprio Nonato Luiz. E ele, como faz quando dedilha as cordas do violão, não desafina.
– Entrevista por Daniel Praciano.
Como surgiu o interesse pela música?
A música começou há muito tempo. Desde cedo, com 3 a 4 anos, o meu pai me deu um cavaquinho de plástico. Ele observou que eu tinha muito zelo, muita curiosidade, que eu ficava guardando com muito carinho. Depois deu um cavaquinho de madeira. Fui aprendendo um chorinho. Depois viemos para Fortaleza. Meu pai então me matriculou no conservatório de música Alberto Nepomuceno quando estudei violino e participei da orquestra sinfônica Henrique Jorge. Depois disso toquei um pouco de guitarra elétrica. O violão mesmo só veio a partir de 70. Foi um instrumento que eu vi que tinha mais identificação. Foi aí que tive que me definir. Porque tocando vários você não se dedica totalmente. O instrumento requer muita dedicação. Então foi com o violão que me identifiquei mais. E foi a partir daí que comecei minha trajetória como violonista e compositor também, compondo para violão.
O começo na carreira foi difícil?
Sempre é difícil o início. Até para descubrir o seu estilo… Porque na vida tudo você precisa descobrir a sua marca. A partir daí você precisa pedir a Deus que lhe dê muito para lhe alçar vôo. O Ceará era muito pequeno naquela época. E muitos artistas vinham de lá para cá e me incentivavam a ir para o eixo Rio-São Paulo. Fui para São Paulo e participei de vários concursos, gravei discos lá. E acabei indo morar no Rio de Janeiro.
O processo de profissionalização foi rápido? Como foi que surgiu a música como profissão?
Eu sempre fui profissional, desde pequeno. Eu sempre soube o que queria. Mas não resta dúvida que no Rio de Janeiro é que rola. O Rio foi uma escola de vida no geral, não só na música, mas na vida também.
Você tem trabalhos bastante variados. Não há um estilo que você goste mais? Qual é?
Eu defino minha música entre a brasileira – porque sou daqui, a raiz nordestina e brasileira – e a erudita – porque cresci em orquestras, ouvindo Bach (Johann Sebastian Bach, compositor alemão), ouvindo Villa-Lobos (Heitor Vila-Lobos, compositor brasileiro) – então minha música tem um pouco disso também. A minha música tem um pouco de erudito e de popular também. Eu sempre procurei, dentro de minha música, mesmo pegando compositores consagrados, e fazendo uma leitura bem minha mesmo. Eu pego estas músicas e as recrio, sem que elas percam a essência de como são compostas. Mas eu reinvento um pouco a música para ela não ficar naquela mesmice. Então, quando eu pego Beatles – que gravei recentemente – eu faço uma leitura bem brasileira sem que as músicas deles percam a linguagem. Pego Milton Nascimento e faço uma peça erudita nacional brasileira bem raiz. Pego o Luís Gonzaga/Alberto Teixeira que é um novo projeto que tenho aí… Eu não faço a música ficar da mesma maneira que era antes. Eu recrio a música que fica com uma cara muito minha, mas com a força que eles fizeram.
Ainda em cima desta pergunta, uma vez, em uma entrevista, li que você disse: toda música boa é uma música erudita. Por quê? Como é isso?
A música boa é aquela que fica. Tem música erudita que não é de boa qualidade. Tem música popular também que não é bem profunda. A música que fica no coração é a que vai para o resto da vida. Tanto pode ser a erudita, a popular, o heavy metal. Toda música deve ser bem composta, bem definida. É isso que eu defino como qualidade. A música popular pode até se tornar uma erudita.
Como você definiria o choro para a MPB?
Eu inclusive gravei um disco só de choros. Chama-se o “Choro da Madeira”. Nele eu gravei Garoto, Pinxinguinha, Paulinho da Viola, João Pernambuco e gravei nove choros meus. Eu acho que o choro é uma música muito brasileira, muito rica. Tem de tudo ali. Tem coisas barrocas… É uma coisa que define mais a música brasileira é o choro, assim como o baião – que também é muito forte. Então, eu admiro muito o choro e venho tocando há muito tempo o choro. Quando estamos em uma rodinha de amigos eu sempre toco com muita emoção, muito prazer porque é uma música muito forte, muito marcante.
Como foi gravar 14 sucessos dos Beatles?
Foi um desafio. Beatles foi muito difícil por que eles nunca escreveram para violão. Então tive que burilar aquele trabalho. Tive que ouvir bastante. E procurei ouvir não como alguns violonistas que gravaram em trios, duetos, com orquestras, mas violão solo, puro. Era difícil. Não encontrava. E eu sempre escutava Beatles com eles próprios e com orquestras. Então, quando na minha cabeça foi definida a gravar, me dediquei mais a escutar profundamente para chegar a um resultado positivo de gravação e chegar no estúdio bem definido.
Você chegou a ter comentários de fãs dos Beatles analisando positivamente o trabalho?
Bastante. Inclusive tem um crítico, lá de Londres mesmo. Ele escreveu uma coisa na época para a qual não atinei. Neste CD, ele observou que viajei em toda a trajetória dos Beatles. Porque tem gente que para gravar Beatles precisava gravar até quatro trabalhos e eu fiz isso em um trabalho só. E quando li aquela matéria eu fiquei feliz. Em 14 peças você conseguir tudo isso. Foi muito legal.
Foi difícil o reconhecimento no Estado? Por que aqui no Ceará as pessoas estão acostumadas a valorizar mais as coisas que vem de fora. Como se sente a respeito disso?
Eu acho que minha aceitação no Brasil está muito legal. Já esteve pior. Quando eu morava no Ceará havia poucas alternativas. Hoje há muitos lugares. E não é só para mim, mas para qualquer um que queira fazer um trabalho sério. E hoje está muito legal. E no Rio e São Paulo nem se fala. Aí vão abrindo espaços e aumenta a aceitação do seu trabalho.
O que está saindo do forno do Nonato Luiz para os próximos meses?
Eu estou neste projeto de gravar músicas de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Inclusive eles são parceiros. Mas não eventualmente músicas só desta parceria. Vou gravar músicas só do Gonzaga, do Gonzaga com outros parceiros, do Humberto sozinho e com outros parceiros. Daqui a pouco a gente grava, pois já há muita coisa boa aí.
Tem um outro lado seu que é revelado no trabalho intitulado “Canções”. Sai do instrumental e vai para músicas cantadas com composições suas.
Como foi isso?
São diversas parcerias que iam se desenvolvendo paralelamente ao meu trabalho com violão. E eu acho interessante também. Quando Deus dá um dom para você e dá abertura para você fazer, dentro da música, outros trabalhos, por que não fazer? As pessoas vêm recebendo berm e isso me dá muita alegria. E eu tenho parceiros como Capinã, como Sérgio Natureza, Fausto Nilo, entre outros. E fui gravado, ainda quando estava no Rio de Janeiro, por vários cantores como Nara Leão, Emílio Santiago, pelo próprio Fágner. Foi um trabalho paralelo que deu certo, mas só agora decidimos colocar isso em um trabalho só. Então, eu, o Olívio Rocha e o Assis Miranda tivemos esta brilhante idéia de fazer um CD e juntar algumas canções destas parcerias. É isso. O trabalho está aí, está feito e vamos ver se até o final do ano fazemos um grande recital para reunir todos estes intérpretes. Vai ser uma festa bonita. E neste CD, em dois momentos eu canto também. Terminei tendo que cantar. Eu sempre gostei de cantar um pouco, embora nos concertos eu goste sempre de mostrar a voz do violão, mas eu acho que termina dando certo. Várias pessoas gostaram da minha voz lá no disco. Espero que você goste quando escutar (risos).
– Entrevista por Daniel Praciano.