50 anos de Nonato Luiz

Grande Nonato[1],

Estamos aqui, familiares e os amigos mais caros, para homenageá-lo pelos seus 50 anos de vida.

Vida que você recebeu de Deus e de seus pais e primou por engrandecê-la com trabalho, honradez, ousadia e sucesso, tanto no plano profissional, quanto no pessoal.

Nascido nos sertões secos do Ceará, no seio de digna família pobre de pequenos agricultores, seus pais, Pedrinho e Alcides, tinham para você, como de resto para todos os demais filhos, projeto profissional que, para a época e na visão de mundo deles, representava a forma mais segura de progresso econômico e social – funcionário público, talvez, bancário de banco estatal, quem sabe…

Deus, no entanto, o dotara de extraordinário talento musical, que você haveria de potencializar pelo estudo, pelo trabalho, pela coragem e pela perseverança, e que acabaria por direcioná-lo para mundo muito diferente…

Realmente, enquanto o projeto de seus pais se concretizava, com sucesso, nos filhos mais velhos – você é o nono de uma irmandade de 11 -, seu talento de instrumentista extraordinário aflorava e se impunha de maneira forte e inequívoca, desde a mais tenra idade.

Primeiro foi a pequenina Mangabeira, berço natal, que aos cinco anos de idade você já embevecia e encantava. Vaidosamente banhado, vestido e penteado pela mãe, sentadinho na calçada, diariamente, à mesma hora vespertina, ninguém conseguia resistir, por mais rotineira que fosse aquela cena, ao prazer de parar para vê-lo dedilhar seu cavaquinho prodigioso, com graça infantil e técnica profissional. Até o Maestro Orlando Leite, então Diretor do Conservatório de Música Alberto Nepomuceno, quiçá na única vez em que passou por Mangabeira, sabe Deus em busca do quê, parou e chegou mais perto para contemplar aquele talento inesperado. E reagiu de pronto: uma bolsa integral para estudos no Conservatório e um apelo a seu pai para não deixar semelhante vocação musical desperdiçar-se naquele ermo.

Depois seria Fortaleza, onde, nos 15 anos seguintes, você se prepararia e se testaria para a desafiadora profissão de instrumentista e de compositor. As participações gloriosas nos concursos de artistas infantis das Rádios Iracema e PRE-9; os estudos no Conservatório de Música Alberto Nepomuceno, já aos oito anos de idade; a atuação, ainda adolescente, como violinista, na Orquestra Sinfônica Henrique Jorge, sob a batuta do maestro Orlando Leite; as primeiras apresentações na pioneira TV Ceará Canal 2, a participação no Grupo Folclórico Hispano-brasileiro, dirigido pela Professora Elzenir Colares; as primeiras experiências de profissionalização nos conjuntos de música jovem; a descoberta do violão, o instrumento definitivo, que haveria de se transformar na sua própria transparência, a ponto de não se saber,  como bem disse o poeta, “…se o violão é Nonato, ou Nonato o violão…”; os primeiros concertos em palcos mais nobres da Capital…

Você vivia então, com intensidade e felicidade, sua juventude alegre e boêmia. Namoradas, muitas e lindas… Queridíssimo e admirado pela família e pelos amigos, muitos amigos…Os parceiros musicais do Parque Araxá: Rômulo Moreira e os irmãos Tarcísio e Lucas Siqueira. Apresentações na noite fortalezense, ao lado do parceiro e amigo Édson Távora, de saudosa memória. Os companheiros dos conjuntos da jovem guarda; Os estudos musicais com o parceiro-irmão Antônio José Fortes. O primeiro contato com o Grande Poeta Fausto Nilo, que anos depois tornar-se-ia parceiro e amigo fraterno e seria o responsável pela sua aproximação com o músico, cantor e poeta Raimundo Fagner, bem-sucedida liderança do grupo de artistas cearenses que emigrou para o Sul Maravilha, na década de 70.

De repente, em 1974, ainda nem tinha 22 anos completos, instigado pelo amigo e ex-companheiro do Grupo Folclórico Hispano-brasileiro, Valmar Cavalcanti, hoje com Deus, você decide abandonar a vida doce e fagueira na terrinha e encarar a Paulicéia, com a coragem e o intimorato violão, em busca do reconhecimento do talento, que você sabia possuir e necessitava demonstrar ao Brasil e depois ao mundo.

E tal reconhecimento viria quase imediato. No início de 75, você vence concurso promovido conjuntamente pelo Museu de Arte de São Paulo – MASP, TV Tupy de São Paulo e Fábrica de Violões Di Giorgio. Além de sonoríssimo violão Tárrega, ganha de prêmio o patrocínio para a realização de 20 concertos solo em cidades selecionadas do  Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo, com enceramento da turnê na sede do MASP, na Capital.

Apesar de o sucesso prenunciar-se franco, você decide retornar a Fortaleza, naquele mesmo 75. Um quarto é construído pelos seus pais nos fundos do quintal da casa da José Barcelos, onde você instala sua estação geradora de sonhos e trabalha duro para concretizá-los. Ingressa no Curso Superior de Música do Conservatório Alberto Nepomuceno, da UFC, e dedica-se, nos três anos seguintes, com rigor espartano, a intensivos estudos do violão, na busca das sonoridades mais originais, dos acordes mais ricos, das notas mais límpidas e vigorosas, isto é: tudo o que haveria de consagrá-lo depois, no Brasil e alhures, como estilista do instrumento.

É nesse intermezzo que você se descobre compositor de raras sensibilidade e criatividade. Choro Acadêmico, Quatro Prantos, Micheline, Reflexões Nordestinas, Terra, Tudo ou Nada, Mosaico, Allegro Concertante, são todas dessa época. Puro primor. Foi também estudando intensamente o violão que você descobriu-se capaz de transcrever para o instrumento qualquer peça musical, enriquecendo-a, emprestando-lhe sabor violonístico próprio e novas nuances sonoras, sem, no entanto, desfigurar-lhes as características originais.  Tudo se transforma em obra-prima nas cordas de seu divino violão. Nele, você passeia desenvolto do clássico ao popular, da música nordestina ao erudito barroco, passando pela bossa nova, pelo samba de morro carioca, pelo jazz, pelo blues e pela música pop internacional. Seu violão se universaliza.

Por essa época, aqui em Fortaleza, você conhece Darcy Villa Verde, que, maravilhado com seu talento de compositor e instrumentista, o convida para longa excursão pelas salas de concerto mais sofisticadas do País, culminando com temporada da dupla no templo da música instrumental no Brasil, a Sala Cecília Meireles, no Rio, onde você, a partir de então, passaria a residir. Participa vitoriosamente do Concurso Violão de Ouro da Rede Globo, grava Allegro Concertante e Michelinne no disco resultante do Concurso; retoma, no Instituto Vila Lobos, os estudos superiores de música, que não pode concluir, em face dos compromissos profissionais. Reencontra o poeta Fausto Nilo em Copacabana, com quem inicia rica parceria musical. Encontra Fagner, que produz, com carinho e requinte, o antológico Terra, seu disco de estreia. A parceria fecunda com o Poeta Abel Silva. O encontro com Pedro Soler e o Disco Diálogo. Os shows com Túlio Mourão e Djalma Correia, que resultam nos seminais Carioca e Gosto do Brasil.

É a escalada de sucesso profissional, no país e no exterior, que se inicia e que perdura até hoje, com inúmeros discos gravados no Brasil e lá fora. Livros com suas partituras também editados aqui e internacionalmente. Excursões à Áustria, França, Alemanha, Itália, Suíça, Espanha, Turquia. África do Sul, Estados Unidos da América…

 

No plano pessoal, você não tem por que reclamar. Nós, os familiares, mesmo os parentes em grau mais remoto, nos orgulhamos muito de você e o admiramos pelo seu jeito afetuoso e simples de ser. Você também soube fazer amigos fraternos e leais fora do círculo familiar, alguns dos quais o acompanham desde a infância no Parque Araxá e com quem, ainda hoje, você costuma partilhar as emoções mais caras e as recordações mais prosaicas.

Além da Mariana, a linda filha do seu relacionamento com a Betinha, Deus lhe deu também o Sérgio Henrique, que você abraçou ainda bebê, tem como verdadeiro filho e ele o tem como verdadeiro pai. Sobretudo são reciprocamente muito amigos, graça almejada por todos os pais, mas que apenas a alguns é dado alcançá-la.

Conheceu Afonsina, que de fã transmutou-se no grande amor e na companheira definitiva, trazendo-o de volta ao Ceará, para felicidade sua, de seus familiares e dos amigos cearenses.

Por tudo isto, nós o homenageamos. E também porque você se orgulha do que faz, porque sabe fazer bem feito e com prazer. Rir e faz os outros rirem, muito e frequentemente. Sabe ganhar o respeito de pessoas inteligentes, apreciar a beleza, descobrir o que há de melhor nos outros, conquistar o afeto das crianças, além de vir dando seu contributo para um mundo melhor, através de sua música maravilhosa. E isto, Grande Nonato, é ser muito bem-sucedido.

Parabéns! Que Deus continue concedendo-nos o privilégio de privar de sua convivência e amizade por muitos, muitos anos mais.

Em 3.8.2002.

 

[1] Escrito por Aldro Luiz (irmão) e lido por Glória Moraes (irmã caçula), por ocasião da festa comemorativa dos 50 anos do artista.

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